Região de Cacheu – Varela e Canchungo

A região de Cacheu está situada no noroeste da Guiné-Bissau e tem como capital a cidade de Cacheu. Rodeada por mar e rias, esta região é dividida pelo rio com o mesmo nome. A margem norte do rio Cacheu é habitada por Felupes e Baiotes, dois subgrupos da etnia Joola maioritariamente instalada na Casamansa, ou seja, do outro lado da fronteira com o Senegal. A sul do rio Cacheu é zona de Manjacos e Mancanhas.

A margem norte do rio Cacheu é atravessada por uma estrada “que dança”, i.e., uma estrada de terra batida e de piso difícil, que liga São Domingos a Varela, uma pequena povoação situada à beira-mar. O primeiro explorador português, Álvaro Fernandes, chegou à praia de Varela em 1446. Nós chegámos no final do dia 29 de Maio e ficámos instalados no único hotel da zona, o Chez Heléne, gerido por uma italiana (neta da senhora Heléne). E não poderia ter sido uma chegada melhor, ainda tínhamos duas horas de sol e estávamos mesmo ao lado da única praia de areia da Guiné continental. Não havia opção senão conhecer o extenso areal deserto, onde os únicos veraneantes eram suínos e bovinos, e a água estava a à temperatura “agradável” de 28ºC. Depois do mergulho voltámos ao hotel onde nos foi servida uma refeição fantástica, por um chefe italiano.

No dia seguinte, acompanhados pelo Leon Djata, um professor da escola de ensino básico de Tenhate, visitámos Basseor, onde gravámos canções Felupes cantadas por crianças e por mulheres. Na escola de Tenhate, gravámos canções cantadas por crianças e na tabanca Sucujaque gravámos canções cantadas por mulheres sentadas na varanda da casa de um dos principais régulos Felupe. Ao fim da tarde regressámos a Basseor, onde a mulher do Leon nos tinha preparado uma saborosa refeição, acompanhada por vinho de palma.

No dia 31 de Maio deixámos Varela e, de regresso a São Domingos, parámos em Suzana e no jardim infantil recolhemos canções Felupes cantadas por crianças. Daqui seguimos para a tabanca Nhambalam onde, depois de assistirmos a um ritual familiar animista, gravámos canções Baiote cantadas por crianças e por mulheres. Daqui seguimos para Canchungo, na margem sul do rio Cacheu.

Deste lado do rio, está a cidade de Cacheu, que foi a primeira povoação criada pelos portugueses. Em 1588 foi construído um forte e em 1641 foi criada a Capitania de Cacheu, com Gonçalo Gamboa Ayalla como seu primeiro Capitão-mor. Foi também em Cacheu que os portugueses construíram a primeira igreja na África Ocidental. Cacheu foi um grande porto de saída de escravos e, actualmente a memória da escravatura tem estado a ser resgatada através do projecto “Cacheu, Caminho de Escravos”, financiado pela União Europeia, tendo sido inaugurado em 2016 o Memorial da Escravatura e Trafico Negreiro de Cacheu, que visa a divulgação da cultura e da história de Cacheu.

Perto de Cacheu está localizada a cidade de Canchungo, onde chegámos ao fim do dia 31 de Maio. Devido à hora que chegámos tivemos de escolher o local do alojamento sem grande conhecimento. Aqui as opções eram um hotel ecológico de um francês ou um outro no centro da cidade mas de onde as referências eram duvidosas. Posto assim a escolha parece óbvia mas acabou por ser a escolha errada. Apesar do excelente jantar que nos foi servido, a “ecologia” dos quartos revelou-se bastante desconfortável, sem água canalizada (nem esgoto obviamente) nem ventoinhas, sanita ecológica dentro do quarto, redes em mau estado, calor… No dia seguinte logo pela manhã fomos ver os quartos do outro hotel, no centro da cidade, que tinham água canalizada, ar condicionado, televisão e até varanda.

Ficámos dois dias na região de Cacheu a sul do rio com o mesmo nome. Nesta zona habitada por Manjacos e Mancanhas a nossa missão revelou-se muito difícil, pois as crianças destas duas etnias já quase só falam crioulo e só conhecem canções nesta língua. Além disso, no primeiro dia era 1 de Junho, o dia internacional da criança e as escolas tinham preparado festas para os seus alunos. Participámos da festa da escola Artur Ferrazzetta, no bairro Iolabuti da tabanca Manjaca Pandim. Com muita persistência conseguimos gravar canções Manjacas nas tabancas Pandim, Tame e Canhob. Aqui contámos com a ajuda do chefe Valentim, que reuniu um grupo de mulheres muito bonitas e com trajes belíssimos que cantou em Manjaco uma mão cheia de canções de embalar e também algumas crianças que cantaram canções cristãs, as únicas que sabiam em Manjaco.

O dia seguinte foi dedicado à etnia Mancanha e fomos às tabancas Có, Cassinate, Fei e Bolon. Em todas tivemos a mesma dificuldade em conseguir encontrar crianças que soubessem canções tradicionais nesta língua. Apesar disso, na escola Joaquim Mantan Biague, na tabanca Có, conseguimos gravar algumas canções cantadas por rapazes. Em Cassinate gravámos canções cantadas por mulheres e um homem. Em Fei conseguimos a participação de algumas mulheres que se encontravam reunidas para um toca-choro e em Bolon de mulheres reunidas para uma festa realizada por uma viúva que comemoravam a herança que tinha recebido.
No dia 3 de Junho regressámos a Bissau um pouco tristes por vermos que Manjacos e Mancanhas estão num forte processo de aculturação e as suas línguas correm o risco de desaparecerem.

Domingo, 4 Junho, 2017|