Região de Oio

Feito o trabalho nas zonas mais a leste da Guiné-Bissau seguimos então para a região do Oio. Situada entre a região Bafatá e Cacheu, e menos seca que as regiões Bafatá e Gabú, é habitada maioritariamente por Mandingas e Balantas. Os primeiros estão instalados na zona norte e os segundos na zona oeste, numa faixa longitudinal de Norte a Sul. Dos contactos que tínhamos feito percebemos que iriamos trabalhar nas zonas de Mansôa e Bissorã e, visto que íamos chegar já ao final da tarde a preocupação maior era onde ficar alojado. Tínhamos apenas contactos de dois locais, um em Mansôa e outro em Bissorã e tínhamos de escolher para onde nos dirigir porque já não daria tempo para ir para outra cidade (Aqui na Guiné não é aconselhável viajar de noite). Escolhemos pelo “feeling” e acertámos. Ficámos no Hotel Uaque, perto de Mansôa. Este oásis hoteleiro proporciona água quente (opcional), ar condicionado, frigorifico e televisão nos bungalows, e ainda wi-fi e piscina (um regalo após vários dias de muito, muito calor).

Começámos então por Mansôa, cidade de grande importância estratégica militar e onde está a sede da Rádio Sol Mansi, uma das mais importantes emissoras de rádio guineenses. É também nesta cidade que está sediado Os Balantas de Mansôa, um dos principais clubes de futebol guineenses, com emblema idêntico ao do Belenenses.
A zona de Mansôa é habitada por Mansoancas. Considerados um subgrupo balanta, os Mansoancas resultaram do cruzamento de Mandingas e Balantas e, tal como os Mandigas, são uma população islamizada. Apesar da sua origem os Mansoancas não se identificam com nenhum dos grupos originários, sendo a sua cultura e língua diferente de ambos.

O primeiro dia foi dedicado a percorrer tabancas mansoancas. Acompanhados por Umaro Camará, um jovem muito dinâmico, activista da Liga Guineense para os Direitos Humanos, visitámos as tabancas Cussana, Cussac e Mancalam. Em Cussana visitámos dois bairros, Cussana 1 e Cussana 2, onde pela primeira vez recolhemos canções infantis cantadas por homens. No primeiro bairro gravámos canções infantis mansoancas cantadas por mulheres e por um homem idoso (um mais-velho) e cego. No segundo bairro, foram apenas os homens que cantaram canções mansoancas infantis. Nesta tabanca visitámos também uma escola de ensino básico que, como reflexo da diversidade própria de uma escola, recolhemos canções cantadas por crianças mansoancas, balantas e fulas. Em Cussac e em Mancalam também recolhemos canções mansoancas infantis cantadas por homens e mulheres. Nesta última tabanca decorria uma cerimónia e foi o próprio jambacosse[1] que nos acompanhou na recolha de canções.
[1] Curandeiro ou adivinho em crioulo guineense.

Deste lado do rio, está a cidade de Cacheu, que foi a primeira povoação criada pelos portugueses. Em 1588 foi construído um forte e em 1641 foi criada a Capitania de Cacheu, com Gonçalo Gamboa Ayalla como seu primeiro Capitão-mor. Foi também em Cacheu que os portugueses construíram a primeira igreja na África Ocidental. Cacheu foi um grande porto de saída de escravos e, actualmente a memória da escravatura tem estado a ser resgatada através do projecto “Cacheu, Caminho de Escravos”, financiado pela União Europeia, tendo sido inaugurado em 2016 o Memorial da Escravatura e Trafico Negreiro de Cacheu, que visa a divulgação da cultura e da história de Cacheu.

Perto de Cacheu está localizada a cidade de Canchungo, onde chegámos ao fim do dia 31 de Maio. Devido à hora que chegámos tivemos de escolher o local do alojamento sem grande conhecimento. Aqui as opções eram um hotel ecológico de um francês ou um outro no centro da cidade mas de onde as referências eram duvidosas. Posto assim a escolha parece óbvia mas acabou por ser a escolha errada. Apesar do excelente jantar que nos foi servido, a “ecologia” dos quartos revelou-se bastante desconfortável, sem água canalizada (nem esgoto obviamente) nem ventoinhas, sanita ecológica dentro do quarto, redes em mau estado, calor… No dia seguinte logo pela manhã fomos ver os quartos do outro hotel, no centro da cidade, que tinham água canalizada, ar condicionado, televisão e até varanda.

Ficámos dois dias na região de Cacheu a sul do rio com o mesmo nome. Nesta zona habitada por Manjacos e Mancanhas a nossa missão revelou-se muito difícil, pois as crianças destas duas etnias já quase só falam crioulo e só conhecem canções nesta língua. Além disso, no primeiro dia era 1 de Junho, o dia internacional da criança e as escolas tinham preparado festas para os seus alunos. Participámos da festa da escola Artur Ferrazzetta, no bairro Iolabuti da tabanca Manjaca Pandim. Com muita persistência conseguimos gravar canções Manjacas nas tabancas Pandim, Tame e Canhob. Aqui contámos com a ajuda do chefe Valentim, que reuniu um grupo de mulheres muito bonitas e com trajes belíssimos que cantou em Manjaco uma mão cheia de canções de embalar e também algumas crianças que cantaram canções cristãs, as únicas que sabiam em Manjaco.

O dia seguinte foi dedicado à etnia Mancanha e fomos às tabancas Có, Cassinate, Fei e Bolon. Em todas tivemos a mesma dificuldade em conseguir encontrar crianças que soubessem canções tradicionais nesta língua. Apesar disso, na escola Joaquim Mantan Biague, na tabanca Có, conseguimos gravar algumas canções cantadas por rapazes. Em Cassinate gravámos canções cantadas por mulheres e um homem. Em Fei conseguimos a participação de algumas mulheres que se encontravam reunidas para um toca-choro e em Bolon de mulheres reunidas para uma festa realizada por uma viúva que comemoravam a herança que tinha recebido.
No dia 3 de Junho regressámos a Bissau um pouco tristes por vermos que Manjacos e Mancanhas estão num forte processo de aculturação e as suas línguas correm o risco de desaparecerem.

Sábado, 27 Maio, 2017|